REFLEXÃO PASTORAL SOBRE O COVID 19
A situação criada pela aparição da pandemia do Covid 19 manifesta e cria, ao mesmo tempo, uma crise geral. Torna evidente, de alguma maneira, a crise sanitária, social, política e económica na qual estava imersa a sociedade mundial. Pondo de manifesto essa crise, poderia se dizer que a humanidade passa por um julgamento. De facto, crise, em grego, significa “juízo”. Estamos num momento “crítico” e muitas perguntas aparecem à mente de muitos: O que está a acontecer? O que fizemos para chegar aqui? Onde estamos e para onde vamos? Seremos melhores pessoas depois disto? A natureza precisa de nós?…
Perante a crise da pandemia, o primeiro objectivo é, com certeza, mitigar o impacto. Este impacto não é, evidentemente, unicamente sanitário, mas também económico, social e político. Não se sai da crise da mesma maneira que se entrou nela. Em linguagem bíblica podemos falar deste momento como do crisol que purifica o ouro (Sir 2,5). Por isso, este esforço de mitigação deve ir acompanhado de uma análise e proposta de novos caminhos sanitários, económicos, sociais, e políticos que nos ajudem a crescer como humanidade e como Igreja.
- A NÍVEL GERAL:
Sanitário: O maravilhoso desempenho do pessoal sanitário em todo o mundo vê-se ensombrado pela dúvida da origem do vírus e da possibilidade dele ter sido criado em laboratório com algum objectivo obscuro e inconfesso. Muitas dúvidas estão a surgir a propósito das novas vacinas que aparecem e os fins reais que elas buscam. Nem sempre se percebe nos laboratórios farmacêuticos o mesmo empenho de salvar vidas que no pessoal sanitário que deve aplicar os medicamentos que os laboratórios produzem.
Desafio: Seja o que for a origem do vírus causador desta pandemia: natural ou criado, é tempo de levantar uma voz mundial contra o negócio que a indústria farmacêutica faz com a saúde do cidadão e criminalizar esse lucro. É momento de defender, de uma vez por todas, a dignidade de todo ser humano e o direito a não ser utilizado como cobaia em nenhum lugar do mundo. É momento de erguer a voz para manifestar as fundadas suspeitas da criação em laboratórios de vírus utilizados como armas biológicas ou com objetivo de controlar cada vez mais o cidadão. Deve-se exigir o fechamento de ditos laboratórios. É tempo de viver mais próximos da natureza e confiar que ela nos dá os remédios para os vírus, que ela própria cria para se renovar, ao invés de despender tanto dinheiro em pesquisas que somente produzem lucro a uns poucos e pouca vida e saúde a quem realmente precisa.
Económico: Esta crise tornou claro que a saúde pública é mais competente e responsável com a saúde do cidadão que o serviço de saúde privada, condicionada pelo benefício da empresa e pelo lucro. Também evidenciou que os orçamentos dos estados devem estar mais orientados a investir em educação e saúde do que em defesa e segurança ou economia. O sistema económico neoliberal, como está organizado, baseado no consumo, colapsou e manifestou a real cidadania económica: não consumo – não venda – não produção – não lucro – não emprego – não salários – não consumo.
Desafio: Será que outra economia é possível? Que a volta à normalidade não seja apenas para “recuperar a economia”, mas para “reconstruir a economia”[1]. É o momento de percebermos que a economia é simplesmente uma ferramenta para nos ajudar a alcançar o maior bem-estar comum possível. É momento de promover uma autêntica cidadania económica que tenha como pilar fundamental a consciencialização social e ambiental. É preciso fazer com que a economia procure resolver os problemas das pessoas (negócios sociais) sem lucros que criem fosso entre as pessoas.
Político: Os países fizeram uma gestão diferenciada da situação actual. A maneira de gerir uma crise deixa perceber o tipo de governo que exerce o poder e o tipo de sociedade que nasce e cresce dentro desse regime. Alguns países optaram por uma gestão “democrática” baseada no diálogo claro, transparente, aberto, engajado com o cidadão considerando-o parte essencial no governo da cidade e com quem se conta para isso. Este tipo de gestão ajuda a sociedade a crescer em liberdade, em responsabilidade, em coesão e em maturidade. Outros países optaram por uma gestão vertical, com decretos, normas e sanções. Colocaram o exército nas ruas para submeter o cidadão à palavra “sábia e inteligente” do presidente que é o único que sabe. Esta gestão procura o controlo do cidadão e é fácil que dito controlo pretenda perdurar no tempo eliminando liberdades fundamentais e o usufruto dos direitos humanos. Ainda, esta crise evidenciou o individualismo dos países em geral e a prepotência de alguns governos que se consideram intocáveis.
Desafio: Que outra política é possível? Cresce a consciência de “estar todos no mesmo barco”. Hoje aparece mais claro que o bem pessoal não está separado do bem comunitário e que o cuidado por si próprio está unido ao cuidado pelo outro. É momento de fomentar atitudes políticas dos governos para que estejam mais interessados e preocupados pelo bem comum que pela ideologia do próprio partido. É a oportunidade de pensar que as alianças entre países poderão servir não para mostrar poder umas sobre outras em linha de concorrência, mas de ajuda desinteressada e solidária pelo facto de sermos todos membros da mesma família humana.
Social: Certamente a pandemia mostrou a face mais delirante do ser humano: medo do outro, discriminação, o“salve-se quem puder”, o apego aos próprios caprichos, valer-se da situação em benefício próprio… Mas também aparece, em várias partes do mundo e da sociedade, o sentido da “vizinhança”, reconhecimento do outro, sentido da gratidão, da responsabilidade mútua e do cuidado com a natureza… Assistimos a gestos de solidariedade e de maior consciência sobre a importância de mudar o ritmo de vida e sair do frenesi que o mundo tinha adoptado. Habituados a viver para fora, no activismo e consumismo, a sociedade está a descobrir a beleza das relações humanas, do saber simplesmente “estar”, de saber disfrutar da natureza e de ter tempo de encontrar-se entre vizinhos, de tomar tempo para estar, ficar, permanecer… e pensar.
Desafio:É ocasião de fomentar e reforçar a importância de ir ao essencial; de não viver para fora; de questionar a sociedade de consumo. É uma oportunidade de não deixar passar a ocasião e fortalecer o “poder da cidadania”. Reorganizar a sociedade de modo que o protagonista seja o cidadão e não o político. Criar uma sociedade que toma espaços e tempos de reflectir sobre si própria e sobre o horizonte para o qual caminha; uma sociedade com “Utopia”.
- EM MOÇAMBIQUE:
As medidas de prevenção decretadas pelo nosso Governo certamente têm um aspecto positivo, enquanto alinhadas com as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e inspiradas nos países que, antes de Moçambique, lidaram com a Pandemia com algum sucesso. A contaminação massiva no nosso país seria um verdadeiro desastre humanitário. Todos conhecemos a fragilidade do sistema de saúde e de toda a máquina governativa e tudo o que se refere ao bem comum, não somente devido à grande e pequena corrupção e má governação, mas também pela grande maioria de populações completamente à margem do desenvolvimento devido à ignorância que alimenta a superstição e desconfia da ciência. Por isso, são de louvar todos os esforços para prevenir as contaminações por este vírus tão letal. Mas as medidas tomadas podem não surtir o efeito desejado devido às precárias condições de vida das populações.
O confinamento e o distanciamento físico de segurança exigido é uma medida excelente em lugares onde há urbanização, lugares onde o parcelamento e o resguardo das habitações é prática, e provavelmente no interior do país, onde, por cultura, as pessoas vivem em pequenas aldeias rodeadas de suas machambas e seus currais. Mas as cinturas das cidades, os bairros periféricos das grandes e pequenas cidades são simplesmente lugares onde o distanciamento social é impossível. Não se trata de desobediência civil, mas de impossibilidade prática de tal distanciamento. A densidade populacional nas zonas suburbanas de Moçambique é de 36,1 habitantes/km2, e as condições de vida são precárias e sem ordenamento que permita o distanciamento.
O ficar em casa: no seu dia-a-dia, o povo vive quase fora de casa, no quintal, na rua, debaixo da árvore. Na verdade, o que se chama «casa» é apenas o quarto, o espaço coberto onde as pessoas pernoitam. Quando se insiste em ficar em casa vai significar ficar confinado, não dentro de um quarto, mas nas imediações, sabendo que o compartimento é partilhado por várias pessoas.
Estas medidas estão a trazer suas consequências no seio da sociedade: (i) decréscimo da economia nacional em geral, (ii) agravamento da situação dos trabalhadores no sector formal (comprometido o reajuste salarial, diminuição gradual dos ordenados mensais, incerteza em manter o seu emprego, insegurança em relação ao futuro), (iii) desacato das medidas estabelecidas sobretudo no sector informal e na vida do dia-a-dia das comunidades, provocando a intervenção das forças da lei e ordem.
Controlo da informação e Centralização do processo de testagem: O governo praticamente tornou o combate a esta pandemia uma questão de Estado, sendo ele o único que monitora a situação e dá a informação. A testagem das amostras está centralizada no laboratório do Ministério da Saúde em Marracuene. Nenhum outro hospital tem licença, nem reagentes para realizar os testes. Somente alguns laboratórios privados são também autorizados. Isto se percebe desde a questão de poupança dos testes e a sua aplicação, mas também percebe-se uma excessiva centralização contrária a um espírito de maturidade e confiança.
Criminalização: Pelo decreto presidencial, a desobediência às normas de prevenção são crime e punidas como tal. Sendo que o Presidente ditou uma amnistia para um certo número de presos, 5.032 cidadãos nacionais e estrangeiros, as cadeias começaram a encher de pessoas tratadas como criminosas por estar a tomar uma cerveja com outros no calar da noite… É frequente ouvir falar da força utilizada pela polícia e as FDS na fiscalização das medidas de prevenção. Alguns Meios de Comunicação Social converteram-se em denunciantes do cidadão acusando-os de “criminosos” e propiciando a captura dos cidadãos pela polícia. Ao invés de servir ao direito de informação do cidadão estão sendo utilizados como sistema de vigilância massiva pelo governo.
Educação: A nível da educação, a pandemia está a mostrar a fragilidade do sistema educativo: impossibilidade de dar aulas via TV, falta de professores capacitados para isso, falta de acesso à TV pela maioria da população estudantil (quase 50% da população estudantil é de área rural, onde não há energia). É evidente a falta de conhecimento da realidade do aluno e do estudante por parte dos Ministérios de tutela. Uma vez mais a classe governativa desconhece o seu povo e a sua realidade diária. Estamos perante um governo que vive de princípios gerados em teorias nos gabinetes mas que não se aplicam ao terreno real do país e das populações.
- POSSÍVEL ACÇÃO DA IGREJA:
Apresentamos três linhas de Acção pastoral que deverá concretizar-se nos diferentes níveis da vida quotidiana.
I.- Mitigação dos efeitos:
- Para mitigar os efeitos da pandemia, a Igreja deverá trabalhar na sensibilização, mobilização para o cuidado de si e dos outros e a solidariedade. Isto é, organizar a caridade: Caritas da comunidade, da zona, paroquial, diocesana, episcopal…. Promover e organizar a solidariedade e partilha de bens. A própria Igreja, como instituição, deve enfrentar o desafio de não despedir os seus trabalhadores e de mostrar-se próxima dos mais pobres e necessitados.
- O departamento social da CEM ou as comissões a ele pertencentes criem parceria com instituições do governo para a aquisição de testes e outros materiais técnicos essenciais e necessários para o combate à pandemia.
- As comissões que fazem parte do departamento social, nomeadamente justiça e paz, caridade, saúde, ao nível das dioceses ou paróquias, organizem-se para disseminar a informação (e educação cívica) sobre a pandemia e ajudem a criar soluções locais e práticas para as comunidades (por meio de grupos de cristãos, movimentos e associações laicais), tais como produção de máscaras e disponibilização de meios para a lavagem das mãos com água e sabão sobretudo para os mais necessitados.
- As comissões das comunicações sociais a nível das paróquias e/ou dioceses procurem formas de fazer uso dos meios de comunicação social (rádios comunitárias, diocesanas, públicas e privadas, TV e outros meios) para que, havendo disponibilidade desses meios, possam reportar a informação verdadeira sobre os impactos desta pandemia.
II.- Proacção:
Apostar por uma Igreja Doméstica: “Como se tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração” (Act 2,46).
- Ficar em casa para os cristãos é também voltar os olhos para a construção da família- Igreja doméstica. É criar tempo para rezar juntos, para partilhar a Palavra de Deus, para suprir os encontros de catequese que foram cancelados. É agora que as famílias devem intensificar a oração em família e aprofundar a fé na célula primária da Igreja e da sociedade. A Igreja, a partir dos seus membros, é chamada a purificar o seu sentido de Igreja.
- Purificar-se, neste caso, significa retornar ao essencial (ao espiritual, à relação com Deus) e prescindir do acessório. Ela hoje não se encontra nos templos feitos pelas mãos humanas e nem se manifesta por eventos religiosos com aglomerados de fiéis. Ela hoje, movida pela força do Espírito Santo, é Igreja do deserto (no isolamento), das casas (em família) e do essencial.
- O isolamento social não deve gerar solidão em nós, mas deve tornar as nossas casas verdadeiras igrejas domésticas, onde se cultiva a partilha da palavra, a oração, a comunhão fraterna e a fracção do pão com alegria. O distanciamento físico (de 1,5 metros) não seja apenas um evitar o outro, mas torne-se respeito pelo outro e pela sua dignidade porque fomos criados à imagem e semelhança de Deus. As medidas de higiene e outras ligadas ao corpo não sejam apenas deveres a cumprir, mas tornem-se verdadeiros cuidados com o corpo, que é templo do Espírito Santo.
- É tempo para repensar a identidade do pastor-ministro e garante da comunhão numa Igreja Doméstica mais centrada no encontro com os cristãos no espaço familiar que no culto e na capela. É o tempo oportuno para repensar uma Pastoral da Visitação e não somente, como em Jerusalém, da centralização do encontro com o Senhor no culto e nos espaços designados tradicionalmente sagrados.
- É momento de pensar numa educação para uma economia não baseada no consumismo e no lucro, mas no bem-estar de todos. É oportunidade de educar para uma cidadania activa, ética e responsável pela própria vida e o cuidado dos outros; uma educação para o cuidado das relações com a natureza; educação em direitos humanos e democracia para participar activamente numa política a favor da comunidade humana e não do partido de turno.
III.- A Igreja na sociedade:
- A Igreja deveria e pode abrir o diálogo com as autoridades a todos os níveis (Aldeia, Posto Administrativo, Distrito, Município, Província), muitas delas filhas da Igreja, e envolvê-las numa pastoral social activa e responsável conforme a DSI.
- É preciso denunciar os abusos de poder das autoridades a todos os níveis (Aldeia, Posto Administrativo, Distrito, Município, Província) e organizar as Comissões de Justiça e Paz que promovam a cultura da denúncia.
GRI
Maputo, 11 de Maio 2020
[1] Cf. Muhammad Yunnus: “Começar do zero” e aproveitar os “horizontes ilimitados” que a pandemia abriu. 7Margens, 6 de Maio 2020. Muhammad Yunnus foi prémio Nobel da paz em 2006 por criar os bancos de aldeia em Índia promovendo os microcréditos para negócios sociais.