A PARTICIPAÇÃO DO CRISTÃO CATÓLICO NA VIDA SOCIAL E POLÍTICA EM MOÇAMBIQUE
Introdução
A percepção crescente da importância da ação colectiva na transformação da sociedade faz com que o tema sobre a participação na política se torne objecto de estudo, não só nas investigações mais propriamente das ciências políticas, mas também de todas as outras disciplinas humanísticas.
Os cristãos católicos moçambicanos, enquanto membros de uma comunidade politicamente organizada, e dotados de um rico património moral e cultural, capaz de contribuir na construção da consciência do bem comum e convivência pacífica, não podem, nem excluir-se, nem serem excluídos dos processos de construção de um Estado de Justiça Social.
Porquê uma pesquisa sobre a participação do cristão católico na vida social e política em Moçambique?
A pesquisa sobre O Papel do Cristão Católico na Vida Social e Política em Moçambique nasce da iniciativa da Comissão Episcopal de Justiça e Paz (CEJP) e visa indagar sobre a acção do cristão católico na sociedade, com o fim último de impulsionar a sua participação na vida social e política, à luz da Doutrina Social da Igreja (DSI).
Na base da inquietação sobre o papel desempenhado pelos cristãos católicos na vida social e política em Moçambique está o contraste caracterizado pela existência, por um lado, de muitos católicos envolvidos em diversas esferas da vida política e administrativa mas, por outro lado, um cepticismo generalizado sobre até que ponto este seu catolicismo se faz sentir no desempenho das suas atividades, conforme seria de esperar.
O Grupo de Reflexão Interdiocesana (GRI), grupo de assessoria da Comissão Episcopal de Justiça e Paz, em coordenação com o Bispo responsável, Dom Luíz Fernando (Bispo de Pemba), decidiu fazer uma pesquisa de campo capaz de fornecer uma informação exaustiva sobre a real situação da participação do cristão católico moçambicano na vida social e política.
Os cristãos católicos devem ou não participar da política?
Feita a premissa segundo a qual os cristãos católicos moçambicanos, enquanto membros de uma comunidade organizada, são dotados de um rico património moral e cultural, torna-se, então, consequente indagar sobre Como fazer com que esse património (a DSI) sirva de motor impulsionador para o empenho ulterior na vida social e política em Moçambique?
Finalidade da Pesquisa:
O estudo foi realizado com um duplo e complementar objectivo geral: compreender as razões que estão por de trás da indiferença, da falta de envolvimento e testemunho sociopolítico dos cristãos católicos em Moçambique, de forma a motivá-los ao desempenho eficaz, baseada na caridade; por outro lado, propor linhas de intervenção pastoral à luz da DSI de forma a motivar o cristão católico moçambicano a conceber como parte integrante do seu compromisso cristão a participação na vida social e política do país.
Metodologia
Quanto à metodologia, através da conjugação da abordagem dedutiva e o procedimento de pesquisa de campo procurou-se indagar até que ponto, nos seus comportamentos sociopolíticos, os cristãos católicos moçambicanos, se fazem iluminar pelos ensinamentos de Jesus nos Evangelhos e do Magistério da Igreja (compilados no Compêndio da DSI).
1. Fundamento Teórico Sobre a Participação dos Cristãos na Vida Social e Política
A definição moderna da política “como processo através do qual a sociedade define de forma autoritária a alocação dos recurso e valores; o processo através do qual se tomam decisões ou se modificam programas políticos e as estratégias da acção” (Rush, 2007, p.16), pressupõe a participação intensa e sistemática, em todas as decisões de carácter público, de todos aqueles que, acomunados pelo conceito de sociedade partilham práticas, normas e valores.
A Bíblia, embora não fale directamente sobre a participação do povo eleito na política, nela identificamos várias descrições e conselhos sobre o comportamento a ser atotado pelos servos de Deus na vida pública das suas cidades, Estados ou países.
Enquanto alguns cristãos consideram a política uma actividade “suja” e, portanto, uma atividade a ser evitada por quem não quer sujar a própria vida espiritual, a Bíblia diz: “Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada num monte…” (Mat 5,14-16).
Ao afirmar que os cristãos são a “luz do mundo e o sal da terra”, a Sagrada Escritura dirige-lhes, solenemente, um convite a envolver-se na política.
Esta citação bíblica é um autêntico desafio aos cristãos: parece indicar que o problema de muitos cristãos que se envolvem na política e, eventualmente, se tornam corruptos, não está no grau de corrupção ou degradação do ambiente político, mas sim no grau do compromisso que eles têm com o seu Deus.
Na mesma linha da citação evangélica acima indicada encontra-se também a Doutrina Social da Igreja (DSI), contida nos documentos doo Concílio Ecuménico, Vaticano II; os ensinamentos do Pontifício Conselho Justiça e Paz; dos Papas Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI e Francisco.
Além das autoridades eclesiásticas já mencionadas, para o enquadramento paradigmático do que se entende ou se pretende dizer com a expressão “participação do cristão católico na vida social e política, foram úteis também os vários documentos das Assembleias Gerais da Associação Inter-Regional dos Bispos da África Austral (IMBISA), e da IV Assembleia Geral do Episcopado Latino-Americano (Santo Domingo 1992).
O estudo constatou também que Igreja de Moçambique é dotada de uma longa história de participação activa na vida social e política do país, e de um rico património de conteúdos doutrinais destinados a responder a problemas e situações sociais e políticos concretos, desde o período colonial, até os dias de hoje.
Durante o tempo colonial destacaram-se, particularmente, os Bispos da Beira, Dom Sebastião Soares de Resende, e de Nampula, Dom Manuel Vieira Pinto, os quais, juntamente com alguns Institutos religiosos missionários (Missionários da África, Padres Burgos e os Missionários Combonianos), tomaram posições claras contra o sistema colonial ou as suas práticas descriminatórias.
Nas vésperas e depois da proclamação da independência, até os dias de hoje, a participação da Igreja na vida social e política de Moçambique materializa-se, predominantemente, através das Cartas Pastorais da Conferência Episcopal.
Servindo-se da DSI, os Bispos de Moçambique têm apelado à sensibilidade das várias forças políticas moçambicanas, dos homens e mulheres de boa vontade, das organizações humanitárias e dos governos estrangeiros a pautar pela verdade, reconciliação, justiça e bom senso nas próprias abordagens sobre a questão sociopolítica moçambicana.
Os Bispos têm também exortado as comunidades cristãs a tomar parte activa na construção da sociedade moçambicana justa e pacífica.
2. Recolha de Dados
Como foi mencionado, antes, para os procedimentos da pesquisa adoptou-se o método da pesquisa de campo.
A Pesquisa de campo é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou, ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles. Consiste na observação de fatos e fenômenos tal como ocorrem espontaneamente, na recolha de dados a eles referentes e no registo de variáveis que se presume relevantes, para analisá-los.No presente caso, os dados da pesquisa foram obtidos na base de entrevistas, auxiliadas pela observação direta de 14 pesquisadores, nas 12 Dioceses do país, num total de amostra de 275 pessoas.
A entrevista tem a vantagem de fazer luz sobre certos aspectos, sobretudo aqueles de carácter subjetivo do fenómeno estudado, alargando e precisando, assim, horizontes de leitura. Por seu turno, a observação é uma técnica de recolha de dados utilizando os próprios sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade.
Ela ajuda o pesquisador a identificar e a obter provas a respeito de objetos, atitudes ou comportamentos sobre os quais os indivíduos pesquisados não têm consciência, mas que determinam, influenciam ou condicionam as suas ações ou o seu comportamento.
Quanto à natureza, a pesquisa foi aplicada porque procurava gerar novos conhecimentos que poderão ser aplicados na prática, dirigindo-os à solução de um problema específico: o incremento de formas de participação dos cristãos católicos na vida social e política do país.
Do ponto de vista de seus objectivos a pesquisa foi exploratória. Geralmente, o estudo é exploratório quando há pouco conhecimento sobre o tema a ser abordado, que é o caso deste estudo em que temos pouca informação sobre o envolvimento dos cristãos católicos nos assuntos sociais e políticos do país.
3. Tratamento de dados
Os dados forma colhidos nas doze Dioceses dos país, nas várias Paróquias e Missões. Após a coleta, os dados foram elaborados e classificados de forma sistemática. O passo inicial da elaboração e classificação foi a seleção dos dados, a qual consistiu em examina-los minuciosamente. esta verificação crítica servia para detectar falhas ou erros, evitando informações confusas, distorcidas, incompletas, que poderiam prejudicar o resultado da pesquisa.
Depois da seleção seguiu a codificação, a técnica operacional utilizada para categorizar os dados que se relacionam. Mediante a codificação, os dados foram transfonados em símbolos, e apresentados em tabelas.
Foi neste passo do percurso onde de revelou um dos limites desta pesquisa. Por conseguinte, Codificar significa transfonar o que é qualitativo em quantitativo, para facilitar não só a tabulação dos dados, mas também a sua comunicação.
Ora, dado que, intencionalmente, a forma das perguntas que foi escolhida para as entrevistas era aberta, para permitir aos informantes responder livremente, usando linguagem própria, e emitir opiniões, no momento do tratamento de dados deparamo-nos com os inconvenientes intrínsecos desta opção: a dificulta no processo de tabulação, tratamento estatístico e a interpretação opiniões livremente emitidas.
Não obstante esta dificuldade, por via de agrupamento das opiniões aproximadas, passamos à tabulação, ou seja, a disposição dos dados em tabelas, possibilitando maior facilidade na verificação das inter-relações entre eles.
Esta técnico de análise estatística permite sintetizar os dados de observação, conseguidos pelas diferentes categorias e representá-los graficamente. Dessa forma, poderão ser melhor compreendidos e interpretados mais rapidamente. A divisão e a classificação em subgrupos permitiu a comprovação ou rejeição das hipóteses de trabalho.
3.1 Definição das Categorias
A definição das categorias emergiu a partir da discussão e agregação dos códigos.
3.1.1 Participação do cristão católico na vida social e política
Em relação à participação do cristão católico moçambicano na visa social e político, a pesquisa constatou que a maioria dos entrevistados desempenha um certo papel na vida social, na qualidade, por exemplo, de membros de algum movimento paroquial, ou em outras formas de associativismo, ou enquanto profissionais que lidam directamente com as massas.
Quanto à área da política, a maioria diz ser menos activa porque a política é um âmbito sensível e o activismo neste campo pode constituir motivo de perseguição e intolerância por parte do partido no poder, a Frelimo.
3.1.2 Cepticismo
Adverte-se, portanto, um certo cepticismo ou dúvida quanto à possibilidade de uma participação efectiva na vida política, dada a supremacia desta sobre o resto das instituições sociais. Uma parte dos cristãos católicos entrevistados, habitantes do meio urbano, sem funções políticas ou administrativas, não está satisfeita com a ideia em si da participação dos cristãos na vida sociopolítica. Segundo eles, “não se pode juntar a política e a fé”, e vão mais além afirmando que “é um erro juntar a palavra de Deus com assuntos políticos”. Portanto, defendem a abstenção dos fiéis da política.
3.1.3 Compromisso do cristão numa sociedade onde os valores sociais básicos não têm sido respeitados
Em relação ao compromisso dos cristãos numa sociedade onde os valores básicos (liberdade, verdade e justiça) não têm sido respeitados, a pesquisa constatou que a participação dos fieis leigos na vida social e política está condicionada por uma gama de factores socioculturais, económicos e políticos integrados, dependendo muitas vezes do grau de instrução e experiências vividas por cada pessoa.
3.1.4 Falta de compromisso com a fé
A participação dos cristãos na vida social e política é também tida como não satisfatória, segundo alguns entrevistados, porque “as novas gerações não levam a sério o compromisso cristão.
O exemplo emblemático é a existência de cristãos católicos que ocupam alguns cargos políticos ou administrativos, incapazes, porém, de exercer esses cargos como cristãos católicos exemplares”.
A falta de compromisso com a fé cristã manifesta-se também – na óptica dos nossos entrevistados – através de certos comportamentos como a facilidade com os cristãos aderem aos esquemas de corrupção, o individualismo, a indiferença em relação aos ensinamentos da Igreja, a fome pelo enriquecimento rápido. Os entrevistados da faixa etária dos 40 aos 70 anos de idade fazem notar a existência de uma diferença na formação catequética entre os cristãos adultos e os cristãos jovens.
Apontam, depois, para a deficiência de preparação nos próprio catequistas e observam que, não obstante o tempo exigido para a formação catequética em vista à celebração do Sacramento de Baptismo ou Crisma seja suficientemente longo, tal tempo é, muitas vezes, utilizado para a construção ou consolidação de laços humanos entre os catequizandos e o catequista, e não para o aprofundamento da fé.
3.1.5 Falta de orientação precisa da parte da hierarquia Eclesiástica
Os entrevistados de quase todas as categorias e ambientes sociais inqueridas, apontam como uma das razões da não participação ativa dos católicos na vida social e política do país, a falta de uma orientação clara e tempestiva em relação a como os cristãos se devem comportar numa determinada situação do interesse público.
3.2 Factores que favorecem a participação do cristão na vida social e política
Atinente aos factores que favorecem a participação efetiva os entrevistados apresentaram as seguintes categorias de respostas:
– Formação cristã; ensinamentos da Igreja;
– Espírito crítico, diálogo e consciência do bem comum;
– Ensinamentos do Papa Francisco, Cartas pastorais, liberdade de expressão;
– Intervenção da Igreja nos Processos de Paz; liberdade do exercício do poder de voto.
3.3 Acções necessárias para uma participação efetiva dos cristãos católicos na vida social e política do país
Segundo os nossos entrevistados, para uma participação efectiva dos cristãos católicos na vida social e política do país, é necessário que se desenvolva um plano de sensibilização da comunidades cristãs sobre o seu papel a desempenhar no âmbito social e político.
Além disso, os respondentes da nossa entrevista sublinham que para uma participação efetiva dos cristãos na vida social e política, é necessário vencer-se o medo de represálias e perseguições políticas.
3.4 Conhecimento sobre a Doutrina Social da Igreja
Na globalidade, os inqueridos de todas as dioceses do país revelaram ter um conhecimento muito insignificante sobre os conteúdos da DSI.
3.5. Ações necessárias para o incremento do conhecimento da DSI
Para os nossos entrevistados, a primeira acção a ser levada a cabo nesta matéria diz respeito à divulgação e debates sobre os conteúdos da DSI, a todos os níveis paroquiais.
Muitos dos entrevistados são de opinião que a DSI passe a ser ensinada a partir dos núcleos, passando pelas catequeses paroquiais, para permitir o acesso dos seus princípios aos demais cristãos, de forma abrangente.
Outra forma sugerida para o incremento do conhecimento e da vivência da DSI é a produção e divulgação de materiais informativos e explicativos dos seus princípios e ensinamentos.
4. Aspectos Analíticos e Interpretativos do Relatório
4.1 Participação activa na vida social e política: uma experiência ambígua
Existem várias possíveis formas de participação activa na vida social e política do país.
A maior parte dos entrevistados não está consciente das várias formas de participação na política; pensam que participam na vida social e política somente aqueles que fazem política, ou os políticos.
A indiferença ou o medo de participar na vida política e social, manifestado pelos entrevistados, além de uma consequência do ambiente hostil da político, que se vive desde a proclamação da independência, caracterizada pelo autoritarismo partidário e centralismo, pode também ser motivado pelo fraco esforço da parte dos cristãos católicos de se integrar nas dinâmicas do progresso das instituições públicas nacionais, o qual culmina na autoexclusão do empenho sobre problemas sociais.
Por sua vez, este comportamento, pode ser um indicador de que a formação de iniciação cristã, aprendida no período da formação catequética, não tenha sido suficiente para dotar os leigos de habilidades necessárias para assumirem convenientemente o seu papel de “sal da terra e luz do mundo”. A formação catequética que os entrevistados manifestaram é mais direcionada para o alcance dos sacramentos e a transmissão de princípios básicos da moral pessoal.
Embora seja possível fazer derivar os princípios da DSI dos Evangelhos e da tradição cristã, é preciso também reconhecer que os cristãos católicos moçambicanos nunca estiveram expostos a esta forma de ser Igreja ou de viver a própria fé.
Além do facto que na tradição católica – contrariamente à tradição protestante – a conjugação entre a fé e a caridade social era pouco enfatizada, no contexto colonial também havia muito pouco espaço para o fortalecimento deste modo de ser Igreja.
A concepção segundo a qual o cristão católico não pode se envolver nos assuntos política ganhou raízes, embora não tenha sido oficialmente ensinada em nenhum momento.
É muito provável que seja por isso que alguns dos inquiridos com certos cargos na política ou na administração pública, quando consideram a própria experiência pessoal e o próprio contributo, como políticos e como cristãos católicos, fazem uma separação injustificável entre o cargo político ou administrativo que exercem, o qual comporta um certo comportamento, a a própria vocação cristã que, eventualmente, comporta um comportamento diferente (se não oposto) ao primeiro.
4.2 Fraco conhecimento da DSI pelos cristãos católicos
Dos resultados obtidos nesta pesquisa, é evidente que a pastoral social é muito fraca entre os cristãos católicos da Igreja de Moçambique e, o pouco que existe, encontra o próprio fundamento no ensinamento geral da Igreja, mas não especificamente nos princípios e ensinamentos da DSI. É urgente, portanto, pensar-se em programas pastorais específicos para a formação em matéria de DSI, sobretudo para os jovens, além da sua simples integração nas homilias ou nos manuais de catequese.
4.3 O cristão católico e a sua participação nos pleitos eleitorais
A questão dos processos eleitorais entra como um dos principais actos através dos quais a maior parte dos cidadãos tem a possibilidade de participar ativamente na política. Na análise das respostas dadas pelos nossos entrevistados, constatou-se uma generalizada não atribuição da importância ao voto, o que leva as pessoas a não ir votar e até a não ir recensear-se.
Aqui também é urgente investir no incremento de programas pastorais de educação cívica das comunidades cristãs à luz dos princípios da DSI sobre os direitos e deveres de cidadania.
5. Síntese da discussão dos resultados da pesquisa
Na análise feita sobre os níveis de participação do cristão na vida social e política do país pretendia-se, por um lado, avaliar aquilo que tem sido a participação do cristão na vida social e política (o ser) e, por outro lado, se indagava sobre o ideal (o que deve ser) a participação dos cristãos católicos.
Portanto, uma parte das perguntas dirigidas aos entrevistados esteve orientada para o status quo da participação do cristão católico na vida social e política. A percepção generalizada é de que tal participação não é eficaz e, portanto, a necessidade de potenciá-la. O potenciamento não deve limitar-se apenas ao nível dos conteúdos, deve também incluir as modalidades de transmissão. O outro conjunto de perguntas do inquérito esteve orientado para o que fazer para o futuro que se pretende, para o tipo de participação social e política que queremos e esperamos do cristão católico. Isto exige maior reflexão, pois pressupõe o conhecimento mais pormenorizado da realidade.
6. Conclusões gerais e recomendações
Do trabalho feito nesta pesquisa, é possível concluir o seguinte:
• Desde sempre a Igreja em Moçambique concebeu como parte integrante da sua missão evangelizadora a pastoral social e a participação ativa e responsável nos progressos políticos institucionais. Ex: rede escolar (Escolas-Missões) e sanitária, e mais recentemente com a criação das escolas comunitárias e Universidades de cunho católico.
• No âmbito político, durante o período da colonização, a Igreja de Moçambique destacou-se nas denúncias à descriminação dos indígenas e ao sistema colonial em si; a Igreja exigiu reformas políticas institucionais capazes de estabelecer igualdade de direitos e deveres entre os moçambicanos-portugueses e moçambicanos-indígenas; como também denunciou as atrocidades da guerra movida pelo governo português contra as suas colônias de África que exigiam a independência.
• Desde a independência até os dias de hoje, o contributo da Igreja para o progresso das instituições políticas e administrativas do país é dado sobretudo através das Cartas pastorais, Exortações pastorais ou diálogo direito com as autoridades governamentais.
• Os dois pontos aqui apresentados, embora, por um lado, testemunhem uma tradição consolidada de uma Igreja inserida na realidade social e política do país, por outro lado, revelam também a fragilidade dessa mesma inserção: o activismo na pastoral social e a intervenção nas questões políticas institucionais ficaram sempre confinados aos âmbitos clerical e de Institutos religiosos, nunca envolveu os cristãos leigos, de modo a sentirem-se com o direito e dever de tomar iniciativas.
Não obstante a presente pesquisa apresente indicadores daquilo que se poderia considerar participação dos cristãos católicos na vida social e política do país como, por exemplo, o exercício do direito de votar, a participação em algum comício ou actividades do voluntariado, estas e outras práticas desta natureza não passam do mínimo indispensável, não constituem nenhuma especificidade do cristão católico, é como se comporta qualquer moçambicano nos âmbitos social e político.
Trata-se, portanto, de uma participação pouco satisfatória e sem aquele impacto procurado por esta pesquisa, dado que acontece de forma natural, sem nenhuma conexão programática com a identidade ou compromisso resultante do estado de baptizado e incorporado em Cristo Jesus.
Alguns cristãos participam de forma intensa na vida social e política, assumindo vários cargos políticos e administrativos mas, nestes também, não se estabelece nenhuma conexão entre as próprias funções políticas ou administrativas com o seu ser cristãos católicos.
• Os cristãos católicos moçambicanos revelam uma grande dificuldade em estabelecer uma conexão entre o ser cristão e o ser cidadão comprometido; pelo contrário, fazem, inclusivo, um esforço de separar a sua religiosidade da própria vida existencial nas áreas da política, da economia, da saúde, etc.
• O que impede a cristianização da realidade política e socioeconómica do país pode ser uma consequência lógica do modo como vem sendo feita a formação cristã; a formação catequética que se administra nas Paróquias pode não ser suficiente para dotar os cristãos de conhecimentos e habilidades para afrontar problemas existências à luz da Palavra.
É muito provável que a formação catequética esteja limitada ao aspecto formal de incorporação na Igreja, mas sem nenhuma consequência na vida prática.
• O empenho da Igreja em matéria socioeconómica e política, limitado apenas à hierarquia eclesiástica, embora tenha produzido resultados positivos no passado, hoje revela-se insuficiente para cristianizar a realidade social.
A Igreja (o povo de Deus), a exemplo de Cristo, precisa de se encarnar na história, participando ativa e responsavelmente do contexto político e social no qual estão as pessoas que ela deve alcançar com a sua mensagem evangélica.
A Igreja precisa de agir socialmente, não apenas praticando obras de beneficência ou de caridade, mas expondo-se na linha da frente da batalha pela justiça social, pelas liberdades democráticas, pelos direitos individuais e pela ética; contra a corrupção, o crime organizado, a má administração pública, o mau uso dos recursos naturais, entre tantos outros males que confrontam a sociedade.
• De forma resumida, poderemos dizer que a participação do cristão católico na vida social e política é um campo de intervenção pastoral ainda em aberto. Cabe, portanto, à própria Igreja, sobretudo à Conferência Episcopal de Moçambique (destinatária principal desta pesquisa), por meio das suas Comissões Sociais, desenhar as estratégias desse tipo de intervenção.
V.1 Considerações finais
As conclusões desta pesquisa não podem ser consideradas absolutas; representam uma abertura de campo quer para novas pesquisas como para a intervenção pastoral.
No que diz respeito à abertura para novas pesquisas, considera-se a necessidade de outras pesquisas de carácter marcadamente quantitativo e localizadas, considerando factores culturais, históricos, económicos de cada região, capazes de testar, através de instrumentos quantitativas, as afirmações que aqui foram feitas em forma de interpretação dos dados.
É também necessário aprofundar a avaliação da participação na vida social e política do cristão católico em categorias específicas, tais como: jovens, mulheres, políticos militantes de partidos, funcionários públicos, etc.
No que se refere à necessária intervenção pastoral, não obstante os resultados desta pesquisa tenham a CEM como seu destinatário privilegiado, eles desafiam também os agentes da pastoral social, sobretudo as Comissões de Justiça e Paz, da Educação e das Comunicações Sociais.
Tal desafio refere-se directamente ao trabalho que tais Comissões precisam de realizar no seio das comunidades cristãs para consciencializá-las da necessidade do seu envolvimento na vida social e política como uma questão de fé, e não como uma aventura infundada ou simplesmente militância partidária.
Tal desafio alude também ao tipo de ferramentas teóricas e metodológicas necessárias, que as Comissões acima mencionadas devem colocar à disposição dos cristãos para melhor habilitá-los a agir como verdadeiramente “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5, 13.14).
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